segunda-feira, 30 de abril de 2007

VASO

Queria sentar-me aqui e ficar dedilhando estas teclas sem parar,como se o tempo, todo meu, sustasse no vácuo e eternizasse para sempre este mergulho sem fim. Queria encontrar um lugar de baixo de árvore, imensidão na vista, um ombro gostoso para voltar, um chá e uma torrada. Olhar com carinho teu rosto, passar minha mão quente e macia em tua face e deixar ver em ti a imensidão. Em frente à janela de vidro, que ocupa toda a extensão da sala, o sol envermelha o céu e a terra antes que se deixe cair o manto da noite. Componho-me em frente a esta visão e assim me deixo levar embalada no belo e no mágico. Sinto tua mão forte, grande e segura tocando meu ombro com quentura. A taça nos toca as mãos, deixo descer vagarosamente o saboroso vinho por minhas entranhas. Doces frios correm por minha pele. Deixo cair minha cabeça no teu ombro. Fecho os olhos. Adormeço em mim.

ANÉIS


Rompem-se os véus de luzes.
Turbilhão de emoções.
Deixo-me fluir de acasos e
entrego-me a vida com sabor de liquém.
Desfaço nós e teço o caminho.
Doce sentir o aconchego no abraço da vida,
quando a sentimos pulsar em nós.
Encantam-me os primeiros toques.
Percebo o corpo tremer novamente e sonho.
Convenci-me que só sei sonhar.
Embalo o corpo neste balanço
e entrego meus lábios para o doce.
Sinto fluir a seiva que não morreu em mim.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

DECAEDRO VIII, IX, X

VIII


Movem-se lentamente os dedos
Volta a fluir nas veias o sangue
Despertar é morrer,
Dormir é falecer em mim.
Torrentes cobrem o corpo
Ainda gelado e torpe.
Movimentos da vida
Relembram a morte
Solidão infinda
Sinfonia desperta
Tomba a fantasia.
Tocam os clarins.
IX


Doces sonhos acalentaram a noite.
Amanheceu a ternura
Regada no manjar dos Deuses
Cetins e rendas recobriram meu corpo
Desnudei as taças do amor
Contei estrelas
Coloquei venda nos olhos
Exauri.
X

Termina a cena
Desce o pano.
Ribalta escura
Vazio.
Loucos personagens vagueiam
Buscando máscaras
Para esquecer o fim.

domingo, 22 de abril de 2007

DECAEDRO V, VI, VII.

V


Sonho
Sonho com o cálice de cristal
Brilhante e incólume
Suspenso no ar pelas mãos dos amantes
Luzes se multiplicam nos prismas
Refletem a vida contida ali.
Ah, lindo cálice sagrado
Cada gota do doce vinho escorre
Silenciosa por teu perfil
Brinda o amor e suas faces
Milhares de cores
Juras sem fim
Quisera eu cristalizar o sonho
No parado tempo sem estrela,
Sem sol, nem lua.
Para não ter de ver estilhaçado
E chorar a saudade que bebi em ti.
VI


Velo teu sono, meu amado
Torno infinito os minutos do despertar
Em tua face pouso a mão
Sinto tua pele entrar em mim
Dormes, e vivo em sonhos
Antes que os olhos da manhã se abram
E eu descubra que não estivestes aqui.
VII



Sacode o dia a poeira da verdade
Espreguiça os braços e
Verte a seiva de concreto armado.
O solo racha as veias da vida,
Queimam os olhos de luz,
Estremece a realidade.
Não mais sonhar,
Não mais dormir.
Arregala a visão ao inevitável
Chove a razão
Arrasa o acaso.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

DECAEDRO IV

IV

A morte se esgueirou
por quem espalha tempestades
Extinguiu-nos na dor
Que perfurou a alma.
Busquei no ar o que sobrou de mim.
Lentos dias se fizeram ocaso.
Extenuada me perdi sem ti.
Toques mudos e sem respostas.
Submersa no abandono
Enlouqueci.
Busquei nossos corpos
Para estancar as chagas
Te encontrei vagando em teu vazio
Te toquei com solenidade e lentidão
Percebi teu corpo estremecer
Voltamos a vida entorpecidos
Feridos e marcados
Pela mentira e desventura
Nossos corpos se amaram.
Renasci.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

DECAEDRO III

III

Noite.
Sempre é noite na tua ausência
Sopra o tempo e o lugar se aninha.
Minutos se eternizam
E a alma se apaga.
Noite.
Levanta o sol por trás do nada
Durmo sempre sem saber
Que é dia.
Noite.
Nada desperta se não tem teu cheiro
Troco a face do espelho
E esqueço a vida.
Amanheço.
Desperto com o chegar da hora
Do bálsamo que afaga minha sina.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

DECAEDRO II


II

Silêncio.
Te presenteio hoje com meu silêncio.
Doce ausência de rumor d’alma.
Lágrimas esquecidas em mim.
Silêncio.
Que teus olhos busquem na minha face
Palavras desletradas e mudas
Olhos apagados e vazios.
Silêncio.
Não ouvirás minhas risadas
E este é meu melhor presente.
Amanhã, talvez venhas
Louco de saudade
Te encharcarás no meu hálito
E beberás meu ruído.
Silêncio.

DECAEDRO I

I

Desde a primeira vez que te vi
Molharam meus olhos
E enxuguei a vida.
Minhas mãos se abriram,
Arrepiei a pele e tremi.
Num único momento a onda do mar
Pisa a terra e morre.
Infinitas ondas,
Infinitas quedas,
Infinitas mortes.
Te amar foi deixar viver
A doce seiva que escorria em mim.
Infinitos beijos
Infinitos toques
Infinitos fins.

terça-feira, 10 de abril de 2007

CAMARIM

Perguntaram-me, e afinal como te sentes?
Bem... Mas está me faltando aquela sensação de gelar a pele, de respirar perfumado e de tremer a mera possibilidade do toque. Loucura pensar nisso agora, mas infelizmente não sei viver se não for assim. Nasci para amar, e me seduz a doce loucura de estar apaixonada. Estive por ai triste, mais do que tudo pasma por mais um desencanto, mas ainda continuo louca de amor. Não fui preparada para ter racionalidade nestes casos, e pelo jeito não aprendo mais. Aprendi, porém, que no amor não se caminha para traz. Quando finaliza, o amor se fantasia para novos encontros, e neles continuamos a tratar a alma com óleos perfumados. O amor não se repete no mesmo cenário. E como não sei viver sem amor, minha peça é sempre original, não se repete. Hoje estou no meu camarim, tenho na mesa potes coloridos e perfumados, trato este momento com carinho e me preparo para entrar em cena. Viver de amor, sonhar, esperar e saber que por mais imprevistas as desilusões, sempre o amor espreita para transformar e apresentar um novo espetáculo.

sábado, 7 de abril de 2007

FESTA

Escrevo no livro dos meus sonhos. Meus personagens se vestem em gala para o inicio da festa e aguardam anciosos o momento da revelação. Entre eles a agonia pelo desconhecido faz com que se calem ao menor estridente som que se misture com seu tempo. Se percebem e se reconhecem nos signos, fazem parte de múltiplos universos que os criam e recriam, independentes de que eles existam ou não.
Abre-se a pagina em branco e, um a um entrando com reverência, postam-se em linha e unem-se formando belas figuras, doces desenhos de campos, flores e água. Corrente, límpida e incansável, que canta nas curvas dos seixos a felicidade de ser e permanecer ali.