VESTES
Rasgo as vestes que me cobriram por tanto tempo, descubro a menina e redescubro seus sonhos.
Aproximou-se mansamente, colocando as mãos sobre minha cabeça embalando meu choro, abandonos e perdas. De olhos rasos d’água, mal podia divisar a figura, antes tão distante e agora veste e deslumbra. Doce sabor deste toque que acorda. Desliza sobre a pele o arrepio de cada sensor, espetados em agulhas prontos a sentir. Tomo o ar profundo até encostar-se ao umbigo, acalmo o coração pulsando desordenadamente em alegria.
Retorno em torpor a cada imagem projetadas como filme na face e percebo as que são e que não são mais. Despeço com ternura os ganhos e desenganos, partículas sagradas do momento, selados aqui.
Ouço o cantar de sabiá nos risos e choros de meus netos, que ensinam a voltar à roda e dançar e cantar. Rodo a saia cor de rosa com laços e fitas desenhados, na meia branca, sapatinho de verniz. Solto o riso gargalhado nas letras das cantigas que ouvi de ti.
Tudo se faz e se reconstrói neste caminho. Miro com olhos da distância longínqua onde se unem os ventos e toco a face com ternura sentindo o pulsar de fitas em belo dançar, rodar e rodar. Solto os cabelos, levanto os pés em ponta, abro os braços e giro, abraço a natureza que acolhe tonta e acalanta.
Tempo e espaço se unem em rito sagrado.
-Menina, cuida onde pisas!
Ela, com seu olhar pleno de conseqüência, olha e diz:
- Sempre soube de mim. Agora já sabes disso. Vem! Vamos brincar.
De pés descalços encho as unhas com terra, deito sobre a pedra quente com teto de via látea.